quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Os quatro magos

     Minha curiosidade sempre me acompanhou. E foi minha curiosidade indomável que me levou a abrir a porta do quarto da minha avó Maria, já falecida. O quarto tinha um cheiro que me levava a coçar o nariz, e era iluminado apenas por uma luz fraca que entrava graças às fendas de uma janela de madeira. Entrei no quarto caminhando até a janela para abri-la e deixar o calor e a luz do sol entrarem. Mas antes que pudesse fazê-lo, meu olhar se fixou em um armário velho e encantador. Eu nem percebera, e já estava andando lentamente em direção ao móvel, movida mais uma vez pela minha curiosidade.
     A porta não estava trancada, mas aparentemente fazia tempo que não fora aberta, e por isso estava emperrada. Depois de alguns minutos de insistência, eu consegui abrir a porta. Meus olhos se arregalaram. Grandes capas quadradas estavam enfileiradas, e ao lado, uma vitrola coberta por uma camada de pó. A primeira capa da fila mostrava quatro rapazes. Do mesmo jeito que eu andei até o armário, eu peguei a capa manchada pelos anos, retirei o disco de vinil, e o coloquei na vitrola. Eu mal conseguia esperar para ouvir que músicas estariam gravadas.
     Uma doce melodia, agitada e relaxante ao mesmo tempo entrou pelos meus ouvidos. Aos poucos, o som pareceu se mesclar com o sangue que corria nas minhas veias e eu fechei meus olhos. Enfim, eu comecei a mexer meus pés e braços, harmoniosamente. Pelo menos era o que eu sentia estar fazendo. Parei ao sentir o toque frio da velha cama no centro do quarto, tocar meus joelhos pontudos. Abri os olhos. O ar entrou rápido pela minha boca aberta em forma de O. Minha avó estava sentada na cama com um sorriso doce iluminando seu rosto. Eu não acreditava no que via, mas nem ao menos me esforcei para espantar a imagem da pessoa mais amável que eu já conhecera. Maria se levantara, pegara minhas mãos e começamos a girar juntas como duas crianças alegres. Meus olhos já estavam cheios de lágrimas. Eu sorria como nunca sorrira antes.
     A música parou, e logo eu não podia mais sentir nem ver Maria.
     Outra música entrou pelos meus ouvidos e uma nova energia enriqueceu meu sangue. E lá estava ela, novamente. E milésimos depois, lá estávamos nós sorrindo uma para a outra, dançando juntas. Crianças outra vez, era o que nós éramos naquele momento mágico.
     



     Voltei para casa contra minha vontade. Eu poderia passar minha vida sorrindo e dançando com a minha a alucinação da minha avó, se deixassem. Obviamente, eu não deixei o disco supostamente mágico acumulando mais pó. O disco de vinil dos Beatles se encontra agora na parede do meu quarto. Toda noite, posso sentir minha avó e seu cheiro aconchegante por perto como eu sempre quis.